Nos livros está errado o uso das “aspas” no diálogo?

Aí está uma outra dúvida recorrente nas redes sociais, está certo ou não o uso das aspinhas nos diálogos?

Bem, de novo tentando ficar em cima do mudo, pedi ajuda ao Reinaldo José Lopes, que além de membro do Conselho de Tradução e tradutor do Hobbit na Harper Colins, é jornalista da editoria de Ciências da Folha de S.Paulo, mantendo o blog e o canal Darwin e Deus. 

Em O Hobbit os diálogos estão entre aspas, e para surpresa, foi o próprio Reinaldo que sugeriu manter como no original. Segundo ele. “Em primeiro lugar, vou deixar claro que, em grande medida, a “culpa” pelas aspas é minha, fui eu que propus adotar essa padronização. Lógico que os outros membros do Conselho de Tradução acataram, já que eu não mando nada”

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Então antes de você cancelar o seu amigo que é contra ou a favor das aspinhas saiba que “a coisa” não é tão feia como parece.

Através do zap Reinaldo respondeu algumas perguntas que serão colocadas aqui na íntegra. Obrigada pela gentileza em me ajudar com as respostas, afinal, eu nunca participei de uma mesa de discussão de tradução e quem melhor que você para me ajudar com isso. Então, vamos a elas.

Pergunta: No português as aspas têm como função destacar uma parte do texto, marcar estrangeirismos, neologismos, gírias, expressões populares e ironia. A mudança dessa regra nas traduções contemporâneas causa um efeito cascata na padronização do texto, isso pode causar confusão aos leitores?

Reinaldo: Antes de mais nada, é bom deixar claro que o uso do travessão em diálogos, embora seja predominante, não é uma cláusula pétrea em português. No jornalismo, por exemplo, o uso das aspas é quase tão comum quanto os travessões. Acho que parte da razão inconsciente é a influência, da minha parte, do texto jornalístico. Nos livros de não ficção que escrevo normalmente uso as aspas.

Acho que é exagero pensar em efeito em cascata. As pessoas depreendem com facilidade a partir do contexto qual a função daquele sinal. No fundo, trata-se de uma convenção que não é algo natural e essencial da língua, mas algo que pode ser usado por razões estilísticas ou de preferência.

P: Quais foram os critérios usados para a decisão do uso da aspas como forma de sinalização de pergunta na tradução dos livros de Tolkien?

R: Então, sobre os critérios, acho que o primeiro é realmente manter uma proximidade maior com o texto do próprio Tolkien, até do ponto de vista visual. Além disso, e aí a gente cai num nível um pouco mais subjetivo, em termos estilísticos o uso das aspas me parece mais agradável e mais organizado pra “cara” do texto. Os travessões me trazem um ar de diálogo de redação escolar 😛 Mas claro, isso é muito, muito subjetivo.

P: Na modernização do português, a importação de regras pode descaracterizar o idioma? Isso tem alguma relação de tendência comercial/público já que algumas editoras mantém o travessão como regra?

R: Acho que o risco de descaracterizar o idioma é baixo ou inexistente. No fundo, é um detalhe pequeno e cuja natureza é uma convenção histórica, que não tem a ver com a “essência” do português (se é que isso existe). Dei uma pesquisada e vi, aliás, que até o século XVIII quase não se usava travessão em português. Essas coisas mudam e flutuam, como é natural.
(E é inclusive importante pro leitor saber que a regra nunca é absoluta, que existe variação. Camões escrevia “frecha” em vez de “flecha”) 😉

P: Na língua inglesa não tem órgão regulador, daí a relevância de como eles publicam ser mais no estilo que gramática, isso pode acontecer também aqui no Brasil?

R: Não acho que a gente tenha realmente um órgão regulador super oficial em português. Tudo é recomendação, no fundo. E autores também adotam todo tipo de variação com base em estilo por aqui

P: O escritor Devadatta Bernal quer saber o que você acha sobre as línguas fictícias em histórias de Fantasia?

R: A pergunta do Bernal: adoro línguas fictícias em histórias de fantasia. Mas tem de saber fazer. Não é qualquer uma que fica legal. Um bom conhecimento de linguística e de história dos idiomas reais é essencial pra coisa ficar boa
É isso, espero ter respondido tudo! Abração!

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Atualização: A leitora Simone O Marques indicou um artigo com regras de escrita. Segundo ela. “

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